CNJ aprova política para atender pessoas em situação de rua: o que muda na prática?
"Até que enfim nos ouviram", comemora coordenador do Movimento Nacional da População em Situação de Rua
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou na última terça (21) uma resolução que institui a Política Nacional de Atenção às Pessoas em Situação de Rua. A partir do diagnóstico de que o acesso dessa população ao judiciário é dificultado por discriminações raciais e de classe, a nova norma determina que os tribunais criem estruturas específicas para atender esse público.
Equipes multidisciplinares com capacitação específica sobre o tema; a possibilidade de atendimento sem agendamento prévio; a proibição da interdição de pessoas por critérios como higiene pessoal ou falta de identificação; e lugar para guardar objetos e animais de estimação são algumas das medidas que a nova norma institui aos órgãos judiciários.
Além disso, nas dependências de órgãos de Justiça poderão ser recebidas crianças mesmo que sem a companhia dos responsáveis. A resolução estabelece, ainda, que sejam criados serviços itinerantes para atender esse segmento populacional também nas ruas.
"A resolução é expressa no sentido de que estar em situação de rua não pode mais ser usado como fundamento para prisão cautelar", salienta o Defensor Público Federal, Renan Sotto Mayor, para quem a resolução representa "uma mudança de paradigma".
O defensor exemplifica também como defensores de direitos humanos e operadores do direito poderão usar a resolução para atuar contra a arbitrária retirada de bebês de mulheres em situação de rua. "Muitas vezes na maternidade, ao invés de buscar um acolhimento, um trabalho para verificar a questão de moradia, o que vemos é retirada da guarda dessa mãe de forma compulsória", relata.
"Quando a população em situação de rua erra, o órgão judiciário é bem rápido e eficiente. Mas quando precisa da justiça, existem várias barreiras do preconceito. Eles colocam guardas nas portas para não deixar as pessoas entrarem mesmo", diagnostica Leonildo Monteiro Filho, coordenador do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR).
Na visão de Leonildo, a situação se agrava com a falta de capacitação dos profissionais do direito. "A maioria das pessoas que trabalham no Judiciário não tem nenhum conhecimento sobre essa população", atesta.
População essa que nos últimos anos só cresce. Um estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apontou que a quantidade de pessoas em situação de rua no Brasil teve um salto de 140% de 2012 para 2020. Em março do ano passado já eram 222 mil.
Leonildo Filho destaca que organizações da sociedade civil reivindicam medidas para garantir o acesso à Justiça por parte desse segmento há anos. "Até que enfim nos ouviram", afirma, caracterizando a nova resolução como uma "conquista".
A partir da pressão da sociedade civil, a produção do texto foi determinada pelo presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Fux. Constituído em março, o grupo de trabalho que redigiu a nova norma foi composto por representantes do judiciário e da sociedade civil.
Alderon Costa, da Associação Rede Rua, avalia que diante de uma histórica impossibilidade de acesso à justiça, a nova resolução do CNJ entra no bojo de "movimentos importantes" que vêm acontecendo nos últimos anos, dos quais ele destaca a implementação das Defensorias Públicas estaduais e da União.
"Está no papel", afirma Alderon sobre a Política Nacional de Atenção às Pessoas em Situação de Rua. "Aí vem o grande desafio que é a implantação", pondera, mas salienta que, se concretizada, "vai ser uma revolução".
"Acho que é uma porta gigante que se abre", caracteriza Costa: "Vai precisar de esforço de toda a sociedade para que essas portas não só se efetivem, mas fiquem abertas".
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