O fim da Era Merkel e a volta da centro-esquerda ao poder na Alemanha: e agora?
Houve uma derrota histórica sem precedentes da coalizão dos partidos cristãos, que perdeu quase 9% com relação a 2017
Após 16 anos, a Alemanha despede-se com 80% de aprovação da chanceler Angela Merkel, em um momento em que o país está saindo da pandemia e há grande expectativa da população e dos demais países a respeito do novo governo. Houve uma derrota histórica sem precedentes da coalizão dos partidos cristãos (CDU/CSU), que perdeu quase 9% com relação à última eleição em 2017, quando já tinha apanhado do eleitorado mais conservador por causa da política acolhedora com relação à migração de Merkel.
O resultado do CDU/CSU é uma clara sinalização de que o eleitorado espera uma nova orientação. Até alguns meses atrás, as pesquisas apontavam uma possibilidade real da bola passar para Annalena Baerbock, do Partido Verde, com cerca 25% dos votos. Na reta final, a vitória murchou e o partido ficou em terceiro lugar, embora ainda com uma votação expressiva.
Para surpresa de todo mundo e dos próprios socialdemocratas, a SPD (o tradicional partido socia-democrata alemão) ressuscitou das cinzas nos últimos meses. Após várias derrotas nas últimas eleições, as pesquisas tinham indicado mais uma queda, dessa vez de cerca 5%, perdendo sua centralidade no debate político. E a surpresa: em quatro meses, a SPD ganhou cerca de 10% do eleitorado e ficou em primeiro lugar, com quase 26% dos votos.
Longe dos mais de 41% com os quais Gerhard Schroeder se tornou primeiro-ministro em 1998 e dos 46% de Willy Brandt em 1972, mas o suficiente para ter o mandato e tentar formar o novo governo.
Historicamente há no Brasil uma grande presença econômica alemã, sobretudo por meio de grandes e médias empresas, além da cooperação governamental, de ONG´s e de fundações partidárias, como Fundação Friedrich Ebert, Konrad Adenauer, Rosa Luxemburgo ou Heinrich Bohl.
Outro motivo é a presença muito forte nesse debate eleitoral da questão ambiental, que ganhou peso também no Brasil, assim como as vozes que querem recolocar limites às forças do mercado nas questões sociais, com defesa do salário-mínimo digno, bolsas para estudantes, apoio para mães solteiras e recuperação de direitos sindicais, entre outras. Essa experiência e propostas podem servir para nossa reflexão, pelo bem e pelo mal.
Em terceiro lugar, há uma questão mais ampla que envolve a crescente rivalidade entre os EUA e a China, e que repercute no mundo inteiro. O papel futuro do Velho Continente espremido entre um EUA determinado a manter sua hegemonia de um lado, e uma China em expansão de outro, depende muito da sua capacidade de fortalecer sua integração, tanto para enfrentar os desafios da digitalização (Indústria 4.0), quanto para definir sua posição no mundo.
E nisso a Alemanha é crucial. Sozinha representa cerca de um quarto da economia da União Europeia, é o quarto maior país do mundo em PIB, terceiro maior exportador e o país com maior superávit na conta corrente. Ou, seja, há tempos é uma potência econômica, mas, do ponto de vista geopolítico, ainda é diminuta.
Isso começou a mudar no último dos quatro mandatos de Angela Merkel, que está se encerrando agora. Há uma busca evidente por uma posição de maior autonomia. A conclusão do gasoduto Nordstream2, que liga o gás da Rússia pelo mar Báltico à Alemanha sem ter que passar pela Ucrânia e a Polônia, contou com feroz oposição e sanções dos EUA, mas, mesmo assim, foi concluída recentemente e entrará em operação ainda nesse ano.
Outro exemplo é o acordo sobre investimentos entre a China e a União Europeia, fruto principalmente do empenho do governo alemão, concluído em dezembro do ano passado, e que também não foi visto com bons olhos pelos EUA, que preferem negociações coordenadas sob sua liderança.
Em quarto lugar e conectado à última questão, há o Acordo Mercosul-União Europeia. Embora o tema tenha ficado um pouco à margem dos debates, a conclusão das negociações entre os dois blocos, no ano retrasado, após 20 anos de vaivém, tem muito a ver com a disposição da indústria alemã (setor automobilístico, bens de capital e indústria química, em particular) em defender seus interesses no Cone Sul, principalmente diante do avanço forte do capital chinês.
Paradoxalmente, é também na Alemanha que há forte oposição ao acordo de uma parte expressiva da opinião pública por causa da política ambiental do governo Bolsonaro, agravada por suas posições consideradas antidemocráticos em várias outras áreas. Um dos motivos do atraso na implementação do que seria um dos maiores acordos comerciais do mundo se deve a essa dinâmica na política alemã, às vésperas das eleições.
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