Novo arcabouço fiscal supera teto de gastos, mas limita investimentos públicos

 Medida é melhor que teto de gastos, mas mantém lógica de conter investimentos do Estado para pagar juros da dívida

Analistas apontam a tendência do atual projeto de limite da despesa pública, o que será um problema para alavancar a economia

O projeto que limita gastos do governo federal, chamado de Novo Arcabouço Fiscal (NAF), teve seu texto-base aprovado na Câmara dos Deputados por 372 votos, em vitória da articulação política do governo Lula. A ideia é que a medida substitua o teto de gastos, criado pelo governo de Michel Temer, que impedia qualquer crescimento das despesas, só autorizando o repasse da inflação por décadas. 

A nova regra permite que, caso as metas propostas pelo governo de arrecadação e despesas sejam cumpridas, os investimentos possam subir até 2,5% ao ano além da inflação. Caso não sejam cumpridas, o investimento terá de ser menor. O relator da medida na Câmara, Cláudio Cajado (PP), ainda acrescentou ao texto original penalidades, em caso de não conter as despesas, como a proibição de novos concursos públicos. 

Esquerda critica NAF  

A ideia da medida, embora seja mais flexível que o teto, é priorizar o pagamento de juros e conter o aumento da dívida pública. Esse é um dos motivos por que partidos aliados do PT, como o PSOL, votaram contra o NAF, que teve apoio de partidos de direita e de deputados bolsonaristas.  

As diferentes organizações e analistas de esquerda são críticos à nova regra fiscal. No geral, reconhecem a necessidade de uma regra fiscal, criticam duramente a regra anterior do teto dos gastos e admitem que a herança neoliberal dos governos Temer e Bolsonaro é pesada. Nesse sentido, a nova regra fiscal é melhor.

Porém, apontam a tendência do atual projeto de limite da despesa pública, o que será um problema para alavancar a economia. Parlamentares como Carol Dartora (PT-PR) votaram favoravelmente, como era esperado, na condição de base do governo. Mas fizeram nota pública contra alguns pontos do projeto.  

Leia a seguir opiniões sobre o texto aprovado, que terá ainda votação de destaques na Câmara e, depois, análise do Senado. 

Lutar por novos parâmetros

“O arcabouço fiscal é uma regra fiscal confinada aos limites do modelo neoliberal. Uma proposta muito mais avançada exige um enfrentamento ao próprio modelo, o que não parece estar na ordem do dia. A ameaça neofascista impôs uma frente ampla que congrega não só setores neodesenvolvimentistas (que não pretendem romper com o modelo neoliberal, mas atenuá-lo) mas também alguns setores neoliberais ortodoxos que têm maiores contradições com o bolsonarismo. Os trabalhadores seguem na defensiva e sem condições de apresentar um programa alternativo, que aponte para o rompimento com o modelo neoliberal. Devemos lutar para que o arcabouço fiscal tenha parâmetros menos restritivos ao investimento público, permitindo que o Estado atue como indutor do crescimento econômico e alongando a trajetória de convergência da dívida pública”, aponta Pedro Mattos, da direção nacional da Consulta Popular.  


Dartora critica evidentes reflexos negativos sobre os serviços públicos, como a proibição de realização de concursos e o congelamento do salário do funcionalismo

Impacto sobre o serviço público  

“Consideramos que o relatório do Cajado agravou sobremaneira as normas de contratação de gastos públicos, limitando fortemente a capacidade do Estado de fazer justiça social e comandar um novo ciclo de desenvolvimento. Se já eram preocupantes os limitantes originais para o crescimento de despesas primárias, determinados por um teto de 2,5% na evolução anual, acima da inflação, novas travas adotadas, como os chamados gatilhos, tornam o cenário ainda mais perigoso. Mesmo que sejam superadas as metas de resultados primários, apenas 70% do eventual saldo excedente poderá ser liberado como investimentos. No entanto, caso essas metas não sejam alcançadas, além do crescimento dos gastos cair para 50% de expansão das receitas, as demais punições previstas são draconianas, com evidentes reflexos negativos sobre os serviços públicos, como a proibição de realização de concursos e o congelamento do salário do funcionalismo”, afirma Carol Dartora, deputada federal (PT – PR).

Estado tende reduzir o investimento  

“O teto de gastos foi criado para garantir que os recursos públicos fossem drenados para o setor financeiro. Um dos antepassados é a afamada Lei de Responsabilidade Fiscal dos governos tucanos. Portanto, a primeira coisa que precisa ficar explícita: regra fiscal, nesse mundo neoliberal, não é um instrumento para garantir que os governos gastem bem. Regra fiscal, nesse mundo neoliberal, tampouco é um instrumento para impedir que os governos gastem mais do que arrecadam. Essa regra fiscal, em época de neoliberalismo, tem outro objetivo: garantir que uma parte do recurso arrecadado, sob a forma de impostos, sirva para alimentar o setor financeiro. A primeira pergunta é a seguinte: Precisava de uma regra fiscal nova? Sim, precisava. Senão, o teto de gastos continuaria em vigência. (…) Uma segunda pergunta é: a regra fiscal proposta pelo Ministério da Fazenda era boa? É melhor que o teto de gastos, mas está longe de ser algo bom. Lá se estabelece que temos que ter déficit zero e superávit primário nos próximos anos. Eu pergunto: isso em um país devastado deveria ser uma meta? Lá também está dito que o crescimento das despesas sempre será menor (70%) que o crescimento da arrecadação das receitas. É justo isso em um país que precisa desesperadamente de investimento em serviço público? No longo prazo, essa regra leva à redução do tamanho do Estado na economia. E um país como o Brasil precisa de menos ou mais investimento do Estado? Menos ou mais serviços públicos?”, Valter Pomar, integrante da direção nacional do Partido dos Trabalhadores (PT).  

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