Após derrota no STF, senadores ruralistas protocolam PEC para validar tese do marco temporal

 Texto foi apresentado nesta quinta-feira (22) pelo senador Dr. Hirai (PR) e outros 26 parlamentares

Texto do projeto retoma a ideia de que os povos indígenas só têm direito à terra se a ocupassem no dia 5 de outubro de 1988

O senador Dr. Hiran (PP-RR) protocolou nesta sexta-feira (22) uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que pede a instituição do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. O texto considera o dia da promulgação da Constituição - 5 de outubro de 1988 - como baliza para a garantia do direito à terra: apenas povos que estivessem no território naquele momento teriam direito à demarcação.

O movimento é uma resposta à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de rejeitar o marco temporal, em julgamento finalizado também na noite desta quinta-feira (21). O julgamento terminou com o placar de nove ministros contra a tese do marco temporal e apenas dois a favor.

Na justificativa do projeto, que vai tramitar como PEC 48/2023, Hiran afirma que a proposta "busca trazer clareza e segurança jurídica para o processo de demarcação de terras indígenas no Brasil" e que o texto "não visa negar o direito dos povos indígenas às suas terras, mas sim oferecer uma base sólida para a demarcação, evitando conflitos e incertezas".

Além de Hiran, outros 26 senadores assinam a PEC, todos ligados ao campo da direita e a maioria com ligações com o agronegócio e a mineração. Entre eles estão Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Marcos do Val (Podemos-ES), Sergio Moro (União-PR), Tereza Cristina (PP-MS), Marcos Pontes (PL-SP), Damares Alves (Republicanos-DF) e Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

PL 490

Já está em tramitação no Senado o PL 490/07, conhecido como PL do Marco Temporal. O texto tem o mesmo objetivo da PEC apresentada nesta quinta-feira e já havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados. Entre os senadores, estava em análise pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Houve esforços para a aprovação do texto antes da decisão do STF, o que poderia criar um fato político: um embate direto entre o Legislativo e o Judiciário. A estratégia fracassou e o PL, mesmo que seja aprovado, seria considerado inconstitucional após a rejeição do marco temporal pelos ministros do Supremo. Agora, a apresentação da PEC é a única maneira que os ruralistas têm para aprovar sua tese.

Entenda o que está em jogo

A Constituição brasileira reconhece textualmente o direito originário dos indígenas sobre terras tradicionalmente ocupadas, sem mencionar nenhum critério de tempo para demarcações. Para mudar esse cenário - corroborado pelo STF - é necessário mudar o texto constitucional, algo que só é possível com a aprovação de uma PEC. 

Na prática, a criação de um marco temporal coloca em xeque as demarcações de terra e traz insegurança inclusive para povos que já tiveram suas áreas tradicionais formalmente reconhecidas.

Dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) mostram que há, no país, 137 áreas em situação de estudo, fase inicial dos processos administrativos de demarcação. O número total registrado pela autarquia de territórios que estão em alguma fase desse processo ou que já têm seus terrenos devidamente regularizados é de 761.

De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o número de terras que podem ser impactadas pela aprovação da tese do marco temporal é de mais de 1,3 mil. Isso porque a entidade contabiliza também as áreas que ainda não entraram na lista oficial da Funai por não terem iniciado o processo administrativo de demarcação.

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