Confissão de Bolsonaro reforça denúncia do MPF sobre interferência no Iphan e caso vai ao STF
"Ripei todo mundo do Iphan": frase motivou pedido do MPF e ação no STF, que será analisada pelo ministro André Mendonça
A confissão feita pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) de que a indicação da atual presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tinha como finalidade que o órgão não desse "dor de cabeça” para o governo federal virou motivo de "dor de cabeça" no Palácio do Planalto.
O Iphan é uma das mais antigas instituições federais brasileiras, e tem por função precípua “promover, em todo o país e de modo permanente, o tombamento, a conservação, o enriquecimento e o conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional”.
“Há pouco tempo, tomei conhecimento que, uma obra, uma pessoa conhecida, o Luciano Hang, estava fazendo mais uma loja e apareceu um pedaço de azulejo durante as escavações. Chegou o Iphan e interditou a obra. Liguei para o ministro da pasta: ‘que trem é esse?’, porque eu não sou tão inteligente como meus ministros. ‘O que é Iphan?’, com PH. Explicaram para mim, tomei conhecimento, ripei todo mundo do Iphan. Botei outro cara lá. O Iphan não dá mais dor de cabeça pra gente [risos]", disse o presidente.
As declarações do chefe do Executivo, em evento realizado na Federação das Indústrias do Estado de São (Fiesp), na última quarta-feira (15), motivaram novo pedido do Ministério Público Federal (MPF) para afastamento da presidente do Iphan, Larissa Rodrigues Peixoto Dutra, e uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), apresentada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
No Supremo, o recém-empossado ministro André Mendonça, nome "terrivelmente evangélico" escolhido por Bolsonaro, foi sorteado nesta sexta-feira (17), como relator do pedido de Randolfe. O caso será o primeiro a ser analisado por Mendonça na Corte.
Na ação do MPF, porém, o cenário é menos favorável ao presidente. Na liminar encaminhado à 28ª Vara Cível do Rio de Janeiro, o órgão sustenta que, "com o surgimento dessa nova prova video-documental, não há oposição de dúvida razoável sobre o desvio de finalidade na nomeação e posse da atual presidente do Iphan".
“No caso em julgamento, sequer buscaram os agentes do ato ocultar a verdadeira motivação na nomeação e posse da ré Larissa Rodrigues Peixoto Dutra, qual seja, a de ‘não dar mais dor de cabeça’ para o Presidente da República e seu círculo de ‘pessoas conhecidas’”, analisa o MPF.
Em junho do ano passado, a Justiça concedeu liminar para suspender a nomeação de presidente do Iphan, após o MPF se posicionar, em ação popular, pela nulidade do ato administrativo "por desvio de finalidade e falta de capacitação técnica".
Além disso, o MPF aponta que o marido de Larissa, Gerson Dutra, teria integrado a equipe de segurança particular do presidente da República durante a campanha eleitoral, o que indicaria possível desvio de finalidade na nomeação de pessoa não qualificada para a função pública.
"Larissa não atende os requisitos estabelecidos nos Decretos Federais 9.238/2017 e 9.727/2019, que exigem dos nomeados “perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o cargo”, e também experiência profissional mínima de cinco anos em atividades correlatas e título de mestre ou doutor na área de atuação", diz o MPF.
Uso político: Ibirapuera e Embu das Artes
Em novembro, o Iphan publicou o tombamento provisório do Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, complexo conhecido pelo seu principal equipamento: o ginásio do Ibirapuera. A decisão do órgão foi uma dura derrota para o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). A decisão foi vista como uma ação política contra o tucano.
Sob as regras de preservação do Iphan, o complexo esportivo do Ibirapuera deixou de ser interessante do ponto de vista comercial, inviabilizando o processo de concessão à iniciativa privada que Doria tentava levar a cabo, apesar da oposição de frequentadores e da comunidade esportiva.
Em outubro, foi mostrado que o centro histórico de Embu das Artes (SP) estava sob ameaça e poderia até sumir, de acordo com coletivos e artistas da cidade. A alegação era de que uma minuta disponibilizada para consulta pública Iphan em setembro colocava em risco a preservação da arquitetura colonial característica da região central do município.
Conhecida pelo artesanato, principalmente de móveis, a cidade tem uma construção jesuítica erguida entre os séculos 17 e 19, que abriga a Igreja Nossa Senhora do Rosário, tombada pelo Iphan e pelo Condephaat (Conselho do Patrimônio Histórico Estadual) e o Museu de Arte Sacra.
A arquitetura da igreja apresenta características do estilo barroco paulista e um acervo rico em imagens de anjos, santos e personagens bíblicos, quase todos entalhados em madeira, modelados em terracota ou em armações em roca, produzidas entre os séculos XVII e XIX.
O Iphan inaugurou o processo participativo para mudar as regras de preservação da região em 16 de setembro, publicando um formulário para envio de colaborações em seu site oficial. Grupos de artistas da cidade disseram, no entanto, que só foram avisados sobre a abertura da consulta pública em 1º de outubro. O prazo reduzido foi um dos fatores que gerou indignação em moradores da cidade.
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