Governo e ruralistas querem votar combo com “PL da Grilagem” e “PL da Boiada” antes do recesso

 Projetos podem ser colocados em votação na próxima semana no Senado, antes do recesso parlamentar

Desmatamento na Amazônia e em outras partes do Brasil prejudica biodiversidade e tem sido constantemente denunciado no mundo - Ibama/arquivo                                                  

A Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), conhecida popularmente como “bancada ruralista” se articula em parceria com lideranças do governo Bolsonaro para tentar aprovar, até a próxima semana, no Senado, duas propostas que prejudicam o meio ambiente. O combo inclui os Projetos de Lei (PLs) 2633/2020 e 2159/2021, apelidados pelos opositores respectivamente de “PL da Grilagem” e “PL da Boiada”.

O primeiro, que tramita em conjunto com o PL 510/2021, anistia invasões de áreas públicas para conceder títulos a ocupantes irregulares, que tomaram o espaço informalmente, privatizando a utilização de imóveis da União.

O PL teve o parecer apresentado nesta quarta-feira (8) pelo senador Carlos Fávaro (PSD-MT), em uma sessão conjunta das comissões de Agricultura (CRA) e Meio Ambiente (CMA) do Senado.

O texto suscita críticas e preocupações por parte de ambientalistas e entidades civis desde o princípio das discussões na Câmara dos Deputados, onde recebeu aval no início de agosto, e foi novamente alvejado pelo segmento após o protocolo do parecer. Fávaro defende a aprovação do PL.

“O relator deixou claro a que base ele atende. Já foi possível identificar que a proposta dele é a cara do governo Bolsonaro: é para presentear grandes usurpadores de terras públicas com uma proposta que representa a legalização de invasões e da especulação de terras públicas na Amazônia, sobretudo, mas também no restante do país”, critica a assessora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Luiza Lima.

Entre outras coisas, o relatório dispensa de vistorias in loco os imóveis com até 15 módulos fiscais. Na Amazônia, por exemplo, tais áreas podem significar terrenos com até 1.650 hectares.


Extração ilegal de madeira seguida de grilagem em áreas públicas está entre crimes que podem prosperar ainda mais com aprovação de PLs que estão em debate no Senado / Mayke Toscano-Secom-MT

O Greenpeace aponta que esse tipo de inspeção é importante porque ajuda a verificar, por exemplo, a existência de eventuais conflitos de terras nas áreas em questão. Ocorrências de violência no campo estão entre as principais marcas resultantes de invasões de terra, tema em que o Brasil chama a atenção do mundo.

Essas ocupações irregulares, constantemente orquestradas por grileiros de terras públicas, também expandem o desmatamento, outro destaque no país, que registrou aumento de 21,97% nessa prática na Amazônia Legal entre agosto de 2020 e julho deste ano. O dado é do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), cujos pesquisadores calculam um prejuízo de 13.235 km² devastados.

“Para que o Brasil pare de passar vexame internacionalmente e para que a gente possa reverter este triste cenário de desmatamento e violência no campo em que este governo nos colocou, um bom ponto de partida é barrar a aprovação desse PL”, defende Luiza Lima.

Tramitação

O projeto será alvo de uma nova sessão a ser realizada na próxima quarta (15), quando devem ser debatidos detalhes do texto. As comissões concederam uma vista coletiva e podem votar o texto ainda na próxima semana. Também há risco de a proposta ser imediatamente encaminhada para o plenário do Senado, caso seja aprovada pelos colegiados e conte com ampla articulação para esse próximo passo.

Segundo o presidente da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), Acir Gurcacz (PDT-RO), o intervalo de uma semana de vista seria para análise do material apresentado pelo relator.

“Cada parlamentar vai fazer a sua leitura com seus técnicos, com seus assessores, vamos consultar a sociedade organizada para saber quais são as opiniões”, disse, ao definir que a proposta seria “importante” para o país. Membro da bancada ruralista, o parlamentar tentou rechaçar as críticas ao PL afirmando que o texto não fragilizaria a proteção ambiental e que seria relevante para agricultores. 

Licenciamento ambiental

Já o PL 2159, que traz a proposta de Lei Geral do Licenciamento Ambiental, deve ser objeto de uma sessão prevista para a manhã desta quinta-feira (9). A agenda também será conjunta, envolvendo as Comissões de Agricultura (CRA) e Meio Ambiente (CMA).

A tendência é de apresentação do relatório nesta data, com provável debate e tentativa de votação na próxima semana, até o dia 17, quando deve começar o recesso parlamentar. Oficialmente, o intervalo das atividades legislativas no final de ano se inicia em 22 de dezembro, mas este ano deputados e senadores tentam antecipar para essa data, por isso a bancada ruralista corre contra o tempo para tentar emplacar os PLs 2633 e 2159 até lá.

No caso deste último, a relatora é a senadora Kátia Abreu (PP-TO), nome de peso na FPA. O PL fragiliza regras de licenciamento, abrindo espaço para novas concessões de maneira facilitada. De caráter amplo, o PL tem potencial para liberar projetos de diferentes tipos e dimensões, beneficiando desde “indústrias de periferia urbana até usinas do porte da hidrelétrica de Belo Monte”, segundo alerta Suely Vaz.

“O texto é muito ruim mesmo, inclusive desconsidera direitos de populações indígenas porque só dá atenção para as que estão em terras homologadas. Só da atenção para as populações quilombolas quando está em território titulado, e 84% dessa população não estão em  territórios titulados. É um texto realmente assustador,  e a gente não sabe o que a senadora Kátia Abreu vai fazer de ajustes.”

“O texto é muito ruim mesmo, inclusive desconsidera direitos de populações indígenas porque só dá atenção para as que estão em terras homologadas. Só da atenção para as populações quilombolas quando está em território titulado, e 84% dessa população não estão em  territórios titulados. É um texto realmente assustador,  e a gente não sabe o que a senadora Kátia Abreu vai fazer de ajustes.”

Assessora do Observatório do Clima e ex-presidenta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), ela ressalta que, historicamente, partiu dos próprios ambientalistas a defesa de criação de uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental.

“A ideia era uma lei com um padrão básico a ser seguido pelos entes federados. Só que ela foi se tornando, com os anos, uma [proposta de] lei de flexibilização do licenciamento, e o texto aprovado pela Câmara é o pior neste período todo, porque impõe um retrocesso de 40 anos ao explodir com todo o sistema de licenciamento do país. Virou uma lei da não licença e do autolicenciamento”, critica.

O texto aprovado pela Câmara e que deverá ser discutido agora pelas comissões do Senado libera de licença ambiental obras de usinas de triagem de resíduos sólidos, manutenção em portos e estradas, saneamento básico, distribuição de energia elétrica com baixa tensão, entre outras.

Um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) mostrou que a ausência de procedimentos de licença que estejam de acordo com a atual legislação tem potencial devastador.

Os especialistas apontam, por exemplo, que uma obra de colocação de asfalto na rodovia BR-319, localizada entre as cidades de Manaus (AM) e Porto Velho (RO), poderá fazer o estado do Amazonas acumular um desmatamento de 170 mil km² em três décadas. A área equivale ao território do estado do Paraná.

Por conta desse tipo de risco, o PL foi tema de uma carta enviada na semana passada ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), por nove ex-ministros do Meio Ambiente. Juntos, Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg, José Sarney Filho, Marina Silva e Rubens Ricupero pediram uma audiência e manifestaram preocupação com a proposta e também com o “PL da Grilagem”.

“Como temos sido alertados há tempos pelos cientistas, as consequências [do desmatamento] para a sociedade e para a economia serão graves e, em alguns casos, irreversíveis, caso não detenhamos esse processo destrutivo imediatamente”, alertam os ex-mandatários no documento.

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