Bolsonaro volta ao país para tentar salvar liderança e enfrentar embaraço por sucessão política
Com a possível cassação dos direitos políticos do ex-presidente, representantes da extrema direita correm por 2026
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que saiu do país antes do fim de seu mandato, em 30 de dezembro de 2022, finalmente retornou ao Brasil, na manhã desta quinta-feira (30). Nestes 89 dias de evasão, viu a ascensão ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu maior algoz e principal adversário político, e assistiu um processo contínuo, ainda inconcluso, de descortinamento de casos de omissão, corrupção, maus-tratos e violações de direitos humanos em seu governo.
Neste retorno ao Brasil, Bolsonaro encontrará a esquerda fortalecida, uma direita fragmentada e o embrião de um futuro conturbado no ninho bolsonarista, que é a disputa pela candidatura à presidência da República em 2026 contra Lula ou um candidato abençoado pelo petista.
Bolsonaro deverá enfrentar, ainda, uma turbulenta relação com a Justiça nos próximos quatro anos, que pode culminar na inelegibilidade ou na prisão do ex-presidente. "Ele ainda é, pelo menos até esse momento, o principal nome da oposição. Acabou de deixar a presidência da República, tem uma base inflamada de seguidores fiéis. Então, ele tem uma vantagem sobre qualquer outro. Agora, tem mais gente concorrendo com ele, inclusive pela percepção de que ele pode se tornar inelegível", arrisca Cláudio Couto, cientista político e coordenador do Mestrado em Gestão e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), para quem "ser líder da oposição neste momento é ser o candidato à Presidência daqui quatro anos."
Para o cientista político Rudá Ricci, "o bolsonarismo na sociedade está instalado" e "neste momento, o movimento está mais à espreita porque tem uma crise de liderança. O que estamos vendo é que o Bolsonaro foi atingido de morte. Pior, a possibilidade dele ser preso é realmente grande nesse momento."
Sem direitos políticos e sob risco de prisão, Bolsonaro pode ser obrigado a eleger seu sucessor e trabalhar esse nome no próximo ciclo eleitoral. Em entrevista à Folha de São Paulo, na última quarta-feira (28), Steve Bannon, ideólogo da extrema direita mundial, defendeu que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho de Jair Bolsonaro, seja conduzido à condição de presidenciável em 2026.
No Brasil, Valdemar da Costa Netto, presidente do PL e aliado de primeira hora de Jair Bolsonaro, tem defendido que Michelle Bolsonaro seja a candidata da extrema direita em 2026.
O movimento do PL foi notado pela cientista política e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Rosemary Segurado. "O Valdemar não quer ficar refém da forma como o Bolsonaro pretende conduzir a continuidade da presença dele, da liderança política dele no país."
Por fora, correm governadores bolsonaristas, que terão a máquina de seus estados. Em São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ex-ministro de Bolsonaro, manteve em seu secretariado nomes que agradam o ex-presidente e sua família, garantindo um canal direto com o clã.
Em Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) trabalhou por Bolsonaro no estado no segundo turno das eleições e fez coro com o ex-presidente quando este decidiu atacar Lula e os petistas em palanques mineiros.
Promovido de ex-aliado a aliado, o senador Sergio Moro (UB) segue com sua flexível filiação ideológica e partidária. Agora bolsonarista, o ex-juiz da Lava Jato, que tentou ser candidato à presidência em 2022, é um dos nomes que povoam o quadro de possíveis candidatos do campo da extrema direita.
"Moro, Eduardo Bolsonaro, Michelle, o Tarcísio e o Zema estão disputando esse espólio. A vinda do Bolsonaro pode ser um aquecimento dessa disputa, ou uma tragédia para a família Bolsonaro. Agora, pode ter certeza que ele não vem (para o Brasil) sem um plano", afirma Rudá Ricci.
Voltar a ser líder?
Antes de pensar em 2026, Bolsonaro terá uma primeira missão na volta ao Brasil: recuperar o prestígio entre seus seguidores. "Primeiro, ele vai tentar preservar sua própria liderança. Essa fuga para os EUA não pegou bem, inclusive entre setores da base bolsonarista, que perceberam isso como uma fuga. Para qualquer liderança, fugir não pega muito bem", explica Couto.
Ricci pondera que Bolsonaro pode ter a vida facilitada na readaptação por já haver um movimento consolidado no país. "Temos que entender o ambiente da extrema direita. Existe uma extrema direita na base da sociedade, que o [sociólogo] Boaventura Santos chamou de fascismo 'societal'. Ou seja, não é um fascismo que emana do poder ou de um governo, ele está na sociedade. Esse é o pior tipo de fascismo, porque ele permanece como cultura."
Rosemary Segurado acredita que a fuga aos EUA "mexeu com o eleitorado do Bolsonaro", mas que o ex-presidente pode retomar a postura bélica nos diálogos com a política, para reestabelecer a confiança com seus seguidores.
"Eu acho que ele nem consegue evitar conflitos, é da natureza dele, atuar dentro do conflito, mesmo quando ele ensaia um recuo. Nós vimos isso durante o mandato inteiro", explica Segurado.
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