Câmara pode votar nesta quinta MP que prevê exploração da biodiversidade em florestas públicas
Medida Provisória 1151 foi lançada durante o governo de Jair Bolsonaro e é criticada por organizações e movimentos
Uma Medida Provisória (MP) herdada do período de Jair Bolsonaro (PL) na presidência da República pode liberar concessões de florestas públicas nacionais em Unidades de Conservação para fins comerciais. O texto, que pode ser votado na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (30), é fortemente criticado por organizações em defesa do meio ambiente.
Uma nota pública divulgada nesta semana (leia na íntegra ao final deste texto), assinada por mais de 50 entidades, organizações e movimentos populares, denuncia a MP (identificada pelo número 1151/2022) e alerta que existe uma grande possibilidade de florestas públicas e Unidade de Conservação passarem a ser usadas por empresas privadas para aumentar a poluição, atuando na contramão das ações de combate à crise climática.
O texto prevê, por exemplo, exploração de créditos de carbono - permissões para emissão de gases poluentes de acordo com o custeio de projetos de proteção ambiental. Pedro Martins, assessor jurídico da Terra de Direitos, entidade que assina o documento, afirma que a MP beneficia apenas empresas que já gastam dinheiro em exploração de vários hectares de florestas por décadas, na Amazônia e em outros biomas.
"Isso seria um grande investimento, por décadas, para empresas que não representam as comunidades locais. É preciso dizer: na floresta tem pessoas, na floresta tem comunidades tradicionais, e devem ser elas as responsáveis por participar da elaboração do projeto de lei e das Medidas Provisórias para, assim, termos um texto que de fato contemple as necessidades dos povos da Amazônia", destacou Martins.
Para as entidades, movimentos e organizações que assinam a Nota Pública, a MP é "um verdadeiro contrabando", e não pode ser votada pelos deputados. "No fundo estamos falando do uso de florestas públicas e de Unidades de Conservação no rol de licenças para poluir, corroborando para o atraso ao urgente e necessário corte de emissões de gases de efeito estufa para enfrentamento da crise climática", destaca o texto.
Confira a Nota na íntegra:
Por que a Medida Provisória 1151/2022 é um verdadeiro contrabando e não pode ser votada?
Elaborada com o objetivo de alterar a legislação vigente sobre concessão de florestas públicas nacionais e sobre gestão de Unidades de Conservação, a MP 1151, ao invés de focar no tema, tratou principalmente de inserir na concessão florestal, como um contrabando, o direito a comercialização de créditos de carbono florestais. Ou seja, permitirá que a empresa que obtenha a concessão, por exemplo por 40 anos para a exploração de 40 mil hectares em manejo florestal, obter igualmente a possibilidade de aferir e comercializar créditos de carbono sobre tal área, convertendo o manejo madeireiro em ativo ambiental e possibilitando que outro ente público ou privado, nacional ou internacional, possa compensar suas emissões de gases de efeito estufa. No fundo estamos falando do uso de florestas públicas e de Unidades de Conservação no rol de licenças para poluir, corroborando para o atraso ao urgente e necessário corte de emissões de gases de efeito estufa para enfrentamento da crise climática.
A inserção da possibilidade de transação de créditos seria um "atrativo", como a própria MP se refere, para investimento em manejo florestal, considerada uma das atividades principais para que o Brasil alcance metas climáticas de estocagem de carbono. No entanto, a realidade das florestas deve ser levada em consideração.
Por isso destacamos:
1. As concessões florestais são executadas por empresas, que não representam povos e comunidades tradicionais, logo, conferir a elas maior atribuição seria repassar a elas o papel de guardiãs das florestas ou submeter os povos que vivem nessas áreas a uma tutela do setor privado;
2. As áreas de concessão também podem ser reivindicadas por grupos étnicos, portanto, conferir atratividade de mercado a concessão sem antes garantir demarcações étnicas acentua conflitos territoriais;
3. A inclusão de Financial Technologies – Fintech no uso do recurso do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima avança nas medidas de financeirização da natureza e reduz o direito ao meio ambiente a um ativo transacionável. A natureza é uma bem comum e como tal precisa ser tratada como um direito.
4. A alteração na Lei nº12.114/2009 do Fundo Nacional sobre Mudanças Climáticas, ampliando os agentes financeiros para financiamento da comercialização de créditos de carbono florestais, atropela a retomada de leis, políticas e conselhos que foram desmontadas pelo governo Bolsonaro, como o ENREDD+, CONAREDD+, código florestal, Política Nacional de Mudanças Climáticas, Fundo Amazônia, dentre outras, ignorando estudos e propostas debatidas durante o processo de transição do governo.
5. A comercialização de créditos de carbono florestal visa a compensação de emissões por entes privados e atrasam a mudança necessária que o setor precisa para se comprometer com as mudanças no padrão de produção e distribuição.
6. O Brasil ainda não possui nenhuma regulação em vigor sobre o mercado de carbono, avançar com essa MP é colocar o carro na frente dos bois e gerar mais especulação e pressão em cima dos territórios, sem marcos legais que regulem o setor e promovam a proteção dos direitos territoriais e da consulta, livre prévia e informada.
7. A MP também reduz a barganha do Brasil nas negociações internacionais de mudanças climáticas no âmbito da UNFCCC e da implementação do Acordo de Paris, ao avançar em temas sensíveis, já que estão entregando ao mercado, via legislação nacional, algo que ainda está em debate neste outro âmbito.
A MP 1151 é sobre concessão florestal, de biodiversidade e de crédito de carbono. São questões muito profundas e que precisam ser debatidas com a sociedade.
Não votem a MP 1151!
Brasília, 28/03/2023
Assinam:
1. Grupo Carta de Belém
2. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
3. Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito
Santo – Apoinme
4. Articulação dos Povos Indígenas do Sul – Apinsul
5. Conselho Nacional das Populações Extrativistas – CNS
6. Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos – CONAQ
7. Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – Contag
8. Conselho Pastoral dos Pescadores – Norte
9. Central Única dos Trabalhadores – CUT
10. Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
11. Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM
12. Marcha Mundial das Mulheres – MMM
13. Movimento Negro Unificado – MNU
14. Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
15. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
16. Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores Sem-Teto – MTST
17. Alternativa para a Pequena Agricultura no Tocantins – APA-TO
18. Amigos da Terra Brasil
19. Associação Agroecológica Tijupá
20. Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Mapuá – Amorema
21. Associação Maranhense para a Conservação da Natureza – Amavida
22. Amazon Hopes
23. Articulação de Agroecologia da Amazônia
24. Articulação das Pastorais do Campo
25. Articulação Pacari Raizeiras do Cerrado
26. Cosmopolíticas – Núcleo de Antropologia – Universidade Federal Fluminense – UFF
27. Comissão Pastoral da Terra – CPT
28. Comunidade Quilombola de Caldeirão – Salvaterra/PA
29. Conselho Indigenista Missionário – CIMI
30. Conselho do Povo Terena/ MS
31. FASE – Solidariedade e Educação
32. Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
33. Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente – GEDMMA/UFMA
34. Grupo de Pesquisa Costeiros – UFBA
35. GT de Saúde e Ambiente da Abrasco36. Instituto Brasileiro de Educação, Integração e Desenvolvimento Social – IBEIDS
37. Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc
38. Instituto EQUIT
39. Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – Inga
40. Instituto de Referência Negra Peregum
41. Instituto Iepé
42. Instituto Yande
43. International Rivers Brasil
44. Jubileu Sul Brasil
45. Justiça Global
46. Movimento Ciência Cidadã
47. Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste – MMTR/NE
48. Movimento SOS Chapada dos Veadeiros
49. Núcleo de Estudos em Cooperação – NECOOP/UFFS
50. Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres – NEPED/ UFSCar
51. Organização de Desenvolvimento Sustentável e Comunitário – ODESC
52. Rede Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA
53. Rede de Mulheres das Marés e das Águas dos Manguezais Amazônicos do Maranhão
e Piauí
54. Rede Urbana Capixaba de Agroecologia – RUCA
55. Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – SRRT- Santarém/PA
56. Sempreviva Organização Feminista – SOF
57. Terra de Direitos
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