Após quatro anos, Augusto Aras deixa PGR marcado pela omissão em relação à gestão Bolsonaro

 Procurador-geral da República se notabilizou por não adotar medidas contra o ex-presidente e seus aliados

Augusto Aras encerra nesta terça-feira (26) sua gestão de quatro anos à frente da chefia do Ministério Público Federal

Primeiro procurador-geral da República escolhido de fora da lista tríplice desde 2003, Augusto Aras encerra nesta terça-feira (26) sua gestão de quatro anos à frente da chefia do Ministério Público Federal marcado pelo alinhamento com o governo de Jair Bolsonaro e por ter arquivado várias denúncias e investigações envolvendo o ex-presidente e seus aliados, sobretudo durante a pandemia de Covid-19 que, no Brasil, deixou mais de 700 mil mortos. 

Levantamento feito pelo jornal O Globo mostra que foram ao menos 70 pedidos de inquérito envolvendo o ex-presidente arquivados pela gestão de Aras. Se considerados os pedidos de investigação contra o ex-presidente, fase anterior a instauração de inquéritos, os números são até maiores, passam de 104 os pedidos de arquivamento, segundo levantamento feito pelo portal UOL. Especialista e até membros do Ministério Público Federal ouvidos sob anonimato afirmam que a omissão em relação ao chefe do executivo e o mal-estar interno causado por isso é a marca deixada pela gestão de Aras. “Não tem como falar de outra coisa, as omissões foram muito significativas, e, diferente de Geraldo Brindeiro, que ficou com a fama de ‘engavetador’, mas era próximo da carreira e querido pelos pares, Aras nunca se aproximou, de fato, da carreira”, afirma um membro do MPF. 

Dentre as acusações contra o ex-presidente que foram arquivadas a pedido da gestão de Aras estão episódios que envolvem suspeitas de prevaricação, emprego irregular de verba pública, infração a medidas sanitárias e epidemia com resultado de morte apontadas pela CPI da Covid. 

Para o advogado criminalista e professor de Direito Penal da Universidade São Judas Tadeu, André Lozano, a postura de Aras pode ser vista como consequência de dois aspectos que marcaram sua chegada ao posto de chefe do Ministério Público Federal: o fato de ter sido escolhido fora da lista tríplice e também de almejar ser indicado ao Supremo Tribunal Federal por Bolsonaro. “Quando Jair Bolsonaro nomeou alguém de fora da lista ele buscava alguém submisso a ele, que de fato seguisse e atendesse aos desejos do presidente”, afirma o professor.  

Para ele, Aras não exerceu a função de Procurador-Geral da República da forma que se espera de um PGR, com a independência que seus antecessores tiveram em relação ao governo federal, e fez jus ao apelido de “engavetador”. “Foi uma gestão que não vai trazer um grande marco, não vai ser como a da Raquel Dodge ou do Rodrigo Janot que, de fato, erraram muito, mas erraram tentando acertar com muita independência. A principal questão da gestão Aras é sua quase subordinação ao presidente da República”, prossegue. 

Aras assumiu a PGR em 2019 após anos de atuação do Ministério Público Federal marcado pela operação Lava Jato e seus desdobramentos, com grandes operações policiais midiáticas e denúncias contra políticos que foram questionadas pelos seus métodos polêmicos e anuladas posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal. Ainda que o MPF tenha ultrapassado limites, Lozano acredita que Aras “perdeu a mão” ao evitar ações contra Bolsonaro e seus aliados. “É difícil para o Ministério Público buscar um equilíbrio. Ele não pode acusar a qualquer custo. Tem que ser firme sem abusar, mas tem que atuar dentro da legalidade sem ser leniente. Aras perdeu a mão nesse sentido, foi uma atuação muito tímida. Devia ter buscado um Ministério Público que não ficasse tão dependente do poder Executivo”, afirma. 

Para Lozano, porém, dificilmente Aras poderá ser penalizado por eventuais omissões, já que, segundo o professor, todas as decisões e argumentações do agora ex-PGR tiveram embasamento jurídico. “O entendimento dele, bem ou mal, é alicerçado juridicamente, mas isso não quer dizer que ele tenha atuado de forma correta”, assinala o professor. 

Reflexos no STF 

A postura da gestão de Aras chegou a causar incômodo até nos ministros do Supremo Tribunal Federal. No mês passado, por exemplo, o ministro Alexandre de Moraes autorizou uma operação da PF contra empresários bolsonaristas que defenderam golpe de estado em um grupo de WhatsApp sem consultar antes a PGR, como é de praxe em operações deste tipo. Em outra ocasião, o ministro autorizou operação de busca e apreensão na residência de Jair Bolsonaro para investigar o episódio de fraudes no cartão de vacinação do ex-presidente, mesmo com a PGR se manifestando contra as buscas no endereço de Bolsonaro.  

Em outra ocasião, a ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, rejeitou o pedido da PGR para arquivar três inquéritos contra Bolsonaro decorrentes da CPI da Covid, que investigou os malfeitos do governo federal no combate à pandemia durante a gestão de Bolsonaro. A decisão é incomum, pois, via de regra, quando a PGR pede o arquivamento de determinado inquérito a Justiça tem que aceitar. 

Não só em relação ao executivo, mas também em relação a alguns políticos do Centrão, como o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) e o ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Ciro Nogueira (PP-PI) a gestão Aras adotou iniciativas para poupar os políticos. No caso do presidente da Câmara, a PGR, sob o comando de Aras, recuou de uma denúncia que ela mesma havia apresentado em 2018, na gestão Raquel Dodge, que acusava Lira de corrupção e lavagem de dinheiro e pediu o arquivamento do caso. Em relação a Ciro Nogueira, a PGR contrariou o entendimento da Polícia Federal e pediu o arquivamento de uma investigação contra o senador por suspeita de corrupção. 

‘Narrativas’ e crise interna 

Nos últimos dias de sua gestão, Aras divulgou números e dados para defender sua atuação, tendo inclusive publicado um livro para mostrar como a PGR teria “salvado vidas” durante a pandemia de Covid-19. Em seu discurso de despedida no plenário do STF no último dia 21, Aras afirmou ter sido alvo de “narrativas inverídicas” sobre sua atuação à frente do Ministério Público. “Os desafios dos últimos quatro anos foram adicionalmente cercados por incompreensões e falsas narrativas, dissonantes com o trabalho realizado, documentado e publicizado, e agora também organizado no relatório final de gestão que recém divulgamos”, afirmou o então procurador-geral da República. 

Sua gestão também divulgou recentemente que pediu o arquivamento de 120 inquéritos pedidos contra o presidente Lula, seus ministros e familiares somente neste ano. 

Mesmo dentro do Ministério Público Federal, porém, sua postura causou mal-estar, inclusive com acusações de perseguição internas. “Que o próximo PGR não use o CNMP para perseguir colegas ou para subverter decisões internas do MPF quando a posição do PGR não prevalecer”, afirma um membro da PGR ouvido sob anonimato.  

Por outro lado, membros do MPF reconhecem que a gestão de Aras conseguiu uma importante recomposição de verba para o orçamento do órgão, além de avanços administrativos, como a regulamentação do teletrabalho. Graças a uma reclamação movida por Aras no Tribunal de Contas da União alegando que houve um erro ao calcular o orçamento para o MPF no ano em que o teto de gastos foi instituído pelo governo federal, em 2016. Segundo a PGR, a partir dessa iniciativa, a gestão conseguiu uma suplementação para o orçamento do MInistério Público da União de cerca de R$ 900 milhões até 2023. Além disso, a gestão de Aras fez aportes de R$ 221 milhões para evitar a insolvência do plano de saúde que atende todos membros e servidores do órgão e seus familiares, um contingente de cerca de 50 mil pessoas atualmente. 

Questionada nos últimos dias sobre os números da gestão, a assessoria da PGR tem divulgado um trecho do discurso final de Aras no Supremo: “Nossa missão não é caminhar pela direita ou pela esquerda, mas garantir, dentro da ordem jurídica, que se realize justiça, liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana”. 

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