Após desistirem de atuar em terras indígenas, mineradoras pedem para explorar áreas no entorno

 Segundo relatório, Vale e Anglo American fizeram "manobra" para manter requerimentos minerários em terras indígenas

Vista aérea da região da Volta Grande do Xingu (PA), de onde se vê a Vila da Ressaca, sob ameaça da Belo Sun; Pará é estado que mais concentra pedidos de mineração em Terras Indígenas                                     

Em 2021, duas gigantes da mineração, Vale e Anglo American, prometeram desistir dos requerimentos à Agência Nacional da Mineração (ANM) de projetos de mineração que afetassem terras indígenas. 

Um estudo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da ONG Amazon Watch aponta, no entanto, que a iniciativa não passou de uma “manobra” para driblar a repercussão negativa gerada por denúncias de violações de direitos humanos de povos originários. 

A quarta edição do relatório Cumplicidade na Destruição, lançada nesta terça-feira (22), identificou que mineradoras apenas excluíram da área requisitada a parte que se sobrepunha a terras indígenas. 

Na maioria dos pedidos, a nova delimitação ocorre no limite das áreas ocupadas por povos originários, mantendo, assim, o efeito nocivo sobre as comunidades. “Em alguns casos, contrariando até a portaria 60 de 2015, que estabelece como raio de interferência a distância de 10 km”, destaca o documento.

Embora minerar territórios dos povos originários seja proibido, não há restrições para que as requisições formais sejam feitas na ANM. 

Requerimentos minerários voltam a tramitar 

Os pedidos de adequações nas áreas pleiteadas para a mineração, chamados de “Retirada de Interferência”, foram feitos em nome da Vale, da Anglo American, da canadense Belo Sun e da Glencore, de origem anglo-suíça.  

“Essa manobra tem feito com que pedidos até então parados na ANM voltem a tramitar e que a agência comece a publicar autorizações de pesquisa (chamadas Minutas de Alvará) em nome das mineradoras”, diz o relatório. 

“Não é possível seguirmos convivendo com atividades que obrigam os povos indígenas a chorar o assassinato cotidiano de seus parentes, ou a testemunhar a destruição de biomas dos quais são os guardiões para avançar um projeto que não gera desenvolvimento real, e sim destruição e lucros nas mãos de poucos”, afirmou Sonia Guajajara, da coordenação executiva da Apib. 


Reprodução/Relatório Cumplicidade na Destruição IV

Discurso de responsabilidade socioambiental  

Uma das maiores produtoras mundiais de minério de ferro, a Vale anunciou em setembro do ano passado que desistiu de todos os seus processos minerários em terras indígenas no Brasil. 

Em comunicado oficial, a multinacional afirmou que "a mineração em TIs só pode se realizar mediante o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) dos próprios indígenas e uma legislação que permita e regule adequadamente a atividade".

Em março, a Anglo American também afirmou ter abandonado projetos em territórios ocupados por povos originários. Reforçou o compromisso com o desenvolvimento sustentável e prometeu “re-imaginar a mineração para melhorar a vida das pessoas”. 

Contudo, segundo o relatório Cumplicidade na Destruição, as duas empresas estão entre as nove do ramo que possuem interesses minerários em terras indígenas. Juntas, elas possuíam, em 5 novembro de 2021, 225 requerimentos ativos com sobreposição a 34 terras indígenas.

A Vale é a que possui mais requerimentos, com 75 pedidos ativos, seguida pela Anglo American (65 pedidos), Minsur (Taboca e Mamoré), com 35 requerimentos, Potássio do Brasil (19), Rio Tinto (14), Belo Sun, (11), Glencore (3) e AngloGold Ashanti (3).

Cobre, ouro, níquel, sais de potássio, zircão, cassiterita, bauxita e diamante são as principais substâncias de interesse das mineradoras. A área abrangida pelos 225 requerimentos é de 5,7 mil km², o equivalente ao território do Distrito Federal.
 
O estado que mais concentra pedidos é o Pará, com 143 requerimentos sobrepostos a 22 Terras Indígenas. “Importante registrar que os pedidos de exploração nesse estado duplicaram em menos de seis meses (eram 67, em 12 de julho)”, assinala o estudo. Em seguida estão Amazonas (56) e Mato Grosso (23).

Mineração em terras indígenas contraria constituição, diz Apib

Entre as terras indígenas onde mais incidem requerimentos minerários estão a Xikrin do Cateté e Waimiri Atroari, com 34 requerimentos cada, Sawré Muybu (21), e Apyterewa (13). 

Os povos mais atingidos são Kayapó (73 pedidos), Waimiri Atroari (34), Munduruku (25), Mura (14) e Parakanã (13). “Pelo menos cinco requerimentos estão em áreas onde vivem indígenas em isolamento voluntário, da etnia Apiaká”, ressaltam a Apib e a Amazon Watch.  

“É preciso um entendimento geral de que essas áreas não estão disponíveis para exploração mineral, e nem devem estar, tanto pelo respeito ao direito constitucional de autodeterminação dos povos indígenas sobre os seus territórios quanto pela sua importância para combater as mudanças climáticas e garantir a vida no planeta”, afirma Dinaman Tuxá, membro da coordenação executiva da Apib.

“O mesmo vale para territórios tradicionais e outras áreas de preservação. Esse entendimento deve vir do Estado, mas também das empresas (que têm totais condições de saber quais áreas estão pleiteando para sequer protocolar esses requerimentos), e das corporações financeiras que as financiam”, complementa a liderança. 


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