Cortes do governo federal afetam programa de implantação de cisternas no semiárido
A tecnologia social fortalece a permanência da população no semiárido e incentiva a agricultura familiar
Em muitos lares do semiárido, ter água em casa é um privilégio. O clima é marcado por altas temperaturas e chuvas irregulares, o que deixa a região sob-risco constante de escassez hídrica. No Brasil, a região ocupa 12% do território nacional e abriga cerca de 28 milhões de habitantes, é um dos semiáridos mais povoados do mundo.
Sem nenhum rio perene, que corra durante o ano inteiro, a região apresenta o menor percentual de água reservada no país, algo em torno de 3%. Para lidar com essa realidade e mostrar que o êxodo não é a única saída para o sertanejo, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), há mais de vinte anos, vem desenvolvendo tecnologias de convivência esse clima. Entre os exemplos está o programa que já construiu mais de 1 milhão de cisternas distribuídas pela região Nordeste e pelo norte de Minas Gerais.
Alexandre Pires, coordenador executivo da ASA, conta como o Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC) impactou a população do semiárido: "O Programa de Cisternas rompe com um ciclo histórico que é o da dependência da população do carro pipa, da dependência da população rural do semiárido às vontades políticas e interesses políticos eleitorais. Então, o programa de cisternas mudou a cara do semiárido quando assegurou uma tecnologia simples, barata, de domínio popular, uma tecnologia social, que garantiu à população, através da captação de água das chuvas, ter água na porta de casa".
Pires explica ainda que o P1MC é uma iniciativa da sociedade civil, que o governo Lula acolheu como uma política pública capaz de resolver um problema secular, enfrentado pela população rural do semiárido, que é o de acesso à água: "Essa decisão política fez com que a gente conseguisse, num diálogo entre sociedade civil e governo, garantir que em 2016 chegássemos a 1,2 milhão de cisternas construídas".
As cisternas, além de água para beber e para o uso diário, armazenam também a possibilidade de geração de renda através da agricultura e pecuária familiar, impactando de forma significativa sobretudo na vida das mulheres.
Como explica o coordenador executivo da ASA no Ceará, Marcos Jacinto, "era comum a imagem da mulher com a lata d'água na cabeça no nosso semiárido. Essa imagem ficou mais rara com a chegada do Programa 1 Milhão de Cisternas porque com ele a família tem na sua própria residência a água para consumo das pessoas e também para sua própria produção".
No Estado do Ceará, desde o início do programa, a meta era beneficiar 304 mil famílias. Desse total, 248 mil receberam a tecnologia, o que sinaliza que muitas outras ainda vivem num contexto de insegurança hídrica. Uma preocupação que se intensifica ainda mais num contexto de desmonte da política promovido pelo atual governo de Jair Bolsonaro (PL).
É o que denuncia Jacinto: "Esse momento nos preocupa muito mais, porque nós sabemos que existe ainda um contingente muito grande de famílias no semiárido cearense, que ainda não tem acesso a água potável. Nós temos ainda cerca de 50 mil famílias que ainda não têm a tecnologia social de primeira água e nós estamos num momento em que o programa tem sido desmontado e está paralisado do ponto de vista de investimentos públicos federais".
E essa não é uma realidade só do Ceará; no país, cerca de 350 mil famílias do semiárido ainda não dispõem da tecnologia. Nos últimos anos, o recurso federal destinado a programas de convivência com o semiárido vem sofrendo sucessivos cortes. Em 2012, por exemplo, o P1MC teve o menor orçamento da história destinado ao programa.
"É difícil a gente compreender como uma política que tem tanto sucesso, mudou e transformou tanto a vida das pessoas no semiárido brasileiro, e em outras regiões semiáridas, é desestruturada por este governo. Quer dizer, eu digo que é difícil da gente compreender, mas a gente sabe que o governo Bolsonaro é um governo que não tem prioridade pela população mais pobre do nosso país, na verdade é um governo que tem prática genocida, uma prática que não atende as necessidades daqueles que mais precisam", enfatiza Alexandre.
Nossa reportagem entrou em contato com o Ministério do Desenvolvimento Regional para questionar sobre o corte, mas não obtivemos resposta até o fechamento da matéria.
Para continuar o trabalho, a ASA está com uma campanha para levantar fundos para o programa. Intitulada 'Tenho Sede', a campanha já está dando resultado: agora em março, estão executando as 20 primeiras cisternas com dinheiro arrecadado. Para saber como ajudar, acesse o site tenhosede.org.br
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