Silvinei Vasques falou em 'policiamento direcionado no Nordeste'; CPMI deve reconvocá-lo

 Relatora da comissão deve requerer uma acareação entre Silvinei e algum membro da PRF no Nordeste

Silvinei Vasques foi o primeiro depoente da CPMI do 8 de janeiro - Agência Senado

A relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), deve solicitar a reconvocação do ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques, preso nesta quarta-feira (9) pela Polícia Federal por possível tentativa de interferir nas eleições de 2022. 

"Espero que haja uma nova deliberativa em pouco tempo, e nela faremos a apresentação dos novos requerimentos. Entre eles, o pedido de reconvocação do Silvinei e outros pedidos de acareação", disse Eliziane em coletiva de imprensa no Senado, na manhã desta quarta-feira (9), logo após Vasques ser preso preventivamente pela Polícia Federal (PF). 

Gama também afirmou que deve requerer uma acareação – apuração por meio do confronto entre partes – entre Silvinei Vasques e algum membro da PRF no Nordeste para investigar o suposto direcionamento de operações da corporação em redutos eleitorais do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante o segundo turno das eleições presidenciais do ano passado.  

A comissão pedirá, inclusive, o compartilhamento das informações do inquérito que tramita no Supremo Tribunal federal (STF) contra Vasques. A Corte autorizou a PF a realizar a prisão do ex-diretor diante das suspeitas dos crimes de prevaricação (quando um servidor público deixa de exercer o seu dever), violência política (impedir, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos) e tentativa de impedir ou atrapalhar a votação (crime previsto no Código Eleitoral). 

Vasques foi preso em Florianópolis (SC), mas foi transferido para o Distrito Federal, onde irá depor à PF na tarde desta quinta-feira (10), às 14h. A PF afirmou que a prisão foi necessária para evitar "interferência" e "combinação de versões". 

“Policiamento direcionado” 

Em uma mensagem enviada a um colega de trabalho, o coordenador de Análise de Inteligência da PRF, Adiel Pereira Alcântara, afirmou, em 29 de outubro, um dia antes do segundo turno das eleições de 2022, que Silvinei Vasques havia falado em “policiamento direcionado”. 

"Nas mensagens ao colega, o próprio ADIEL critica a conduta de SILVINEI, afirmando que o mesmo teria falado 'muita merda' (SIC) nas reuniões de gestão, notadamente, ao que parece, determinando 'policiamento direcionado' (SIC), corroborando com os elementos de prova que indicam as ações policiais visando dificultar ou mesmo impedir eleitores de votar", mostra relatório da PF enviado ao STF. 

O termo “policiamento direcionado” teria sido utilizado por Silvinei Vasques durante uma reunião do Conselho Superior da Polícia Rodoviária Federal, em 19 de outubro, onde estavam presentes “diretores, superintendentes e todos os coordenadores gerais” e “foi proibido o uso de celulares pois estavam vazando as reuniões do conselho”. 

Logo após a reunião do conselho, no mesmo dia, Silvinei se reuniu com o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, e a diretora de Inteligência da pasta, Marília Alencar. Antes de entrar na reunião, Marília Alencar recebeu, em seu WhatsApp, um mapa com os municípios onde o então candidato Lula havia recebido mais de 75% dos votos, majoritariamente na região Nordeste.  

O documento teria sido elaborado a pedido de Anderson Torres e utilizado para direcionar as operações da PRF, segundo depoimento de Marília Alencar à PF, em março deste ano. O objetivo seria avaliar se havia indícios de compra de voto no pleito. No entanto, as operações acabaram por dificultar o acesso de eleitores às urnas eletrônicas no segundo turno. Ao ver a repercussão do caso, Alencar disse que ficou "surpresa" com a realização das blitzes. 


Da esquerda à direita: Jair Bolsonaro, Anderson Torres e Silvinei Vasques

Para a PF, “muito embora ainda não se possa afirmar categoricamente o que foi tratado” tanto na reunião do conselho da PRF quanto no encontro no Ministério da Justiça, “chama a atenção” que as reuniões tenham ocorrido na mesma data, em 19 de outubro.  

Números 

De acordo com o relatório da PF, o efetivo da PRF utilizado no segundo turno das eleições 2022 e os pontos fixos de fiscalização foram expressivamente maiores no Nordeste do que nas demais regiões do Brasil.  

No total, 2.185 ônibus foram fiscalizados entre os dias 28 e 30 de outubro no Nordeste, o que representa 221 ônibus a mais fiscalizados em relação à soma do registrado nas demais regiões: 893 no Centro-Oeste, 632 no Sul, 571 no Sudeste e 310 no Norte. 

Especificamente no dia 30 de outubro, foram 324 ônibus fiscalizados no Nordeste, 152 no Centro-Oeste, 65 no Sul, 79 no Sudeste e 76 no Norte, também demonstrando uma discrepância entre os estados nordestinos e os demais. 

Além dos números, chamou a atenção da PF que, em 26 de outubro, houve um novo plano de trabalho nomeado “2º Turno” de previsão de fiscalização de transporte de passageiros, “que não foi abarcada no planejamento inicial, havendo, portanto, diferença de procedimentos entre o 1º Turno e o 2º Turno das Eleições”. O novo planejamento foi determinado após as reuniões de 19 de outubro. 

Depoimento de Vasques à CPMI 

Durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, em 20 de junho, o ex-diretor da PRF afirmou que a acusação de interferência nas eleições é uma “injustiça” e que a quantidade maior de operações no Nordeste ocorreu porque há "maior infraestrutura" da corporação na região. 

“O que se falou muito é que a PRF, no segundo turno da eleição, direcionou a sua fiscalização para o Nordeste brasileiro. Isso não é verdade, porque o Nordeste brasileiro é o local em que nós temos nove estados, nove superintendências. Temos a maior estrutura da PRF no Brasil. (...) Nos estados do Nordeste também se encontra hoje lotado, há muito tempo, o maior efetivo da instituição”, disse. 

A informação, no entanto, foi rebatida pela deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). “Não é verdade, dr. Silvinei. O seu maior efetivo está no Sudeste. Eu peguei o quadro aqui, eu mesma somei. O efetivo está maior no Sudeste, não está no Nordeste. Isso não é verdade. O quadro está aqui, eu posso lhe repassar. (...) Portanto, os seus dados não são verdadeiros.” 

Segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino, que qualificou as operações da PRF como abordagens "atípicas", o número é maior que "o total de operações realizadas naquele estado durante todo o ano". Um dia após as eleições, até mesmo a Organização dos Estados Americanos (OEA) se pronunciou, afirmando que atuação da PRF gerou "preocupação e inquietação".  

Os bloqueios em estradas e rodovias foram feitos a despeito da determinação imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que proibiu a realização de qualquer mobilização que pudesse restringir a locomoção de eleitores e eleitoras no dia de votação.   

As operações só foram interrompidas após o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, intimar Vasques e impor uma multa pessoal de R$ 100 mil por hora de decisão não cumprida. Com o fim das abordagens, nenhum eleitor foi impedido de exercer seu direito ao voto, segundo o tribunal eleitoral. 

Improbidade administrativa  

Silvinei Vasques também se tornou réu por improbidade administrativa, depois que o juiz José Arthur Diniz Borges, da 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro, acatou um pedido do Ministério Público Federal (MPF) feito em 15 de novembro.  

O procurador da República Eduardo Benones acusou ex-diretor da PRF de improbidade administrativa "pelo uso indevido do cargo, com desvio de finalidade, bem como de símbolos e imagem da instituição policial com o objetivo de favorecer um dos candidatos nas eleições presidenciais".  


Postagem feita por Silvinei Vasques nos stories da sua conta pessoal no Instagram em 29/10/2022 e apagada no mesmo dia / Reprodução/Instagram

Benones lembrou que Vasques pediu votos para Jair Bolsonaro (PL) durante a campanha eleitoral de 2022. "MPF move ação de improbidade contra diretor-geral da PRF e pede seu afastamento. Silvinei Vasques praticou, entre agosto e outubro, atos dolosos à Administração Pública ao usar a instituição policial e o cargo público para fazer campanha eleitoral", disse.   

O órgão também pediu o afastamento do diretor da PRF, mas o magistrado não atendeu a esta solicitação por entender que seria necessário escutá-lo antes de tomar a decisão, mas Vasques está de férias. 

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