Governador do AM cooptou indígenas Mura para favorecer gigante da mineração, denunciam lideranças

 Potássio do Brasil insiste em projeto suspenso na Justiça; Wilson Lima mentiu sobre consentimento dos Mura, afirmam eles

Wilson Lima e o presidente da Potássio do Brasil, Adriano Espeschit, estão no centro de denúncias feitas por indígenas

Indígenas do povo Mura negaram ter dado consentimento a um grande projeto de mineração na região de Autazes, no estado do Amazonas, pela Potássio do Brasil. Segundo denunciaram as lideranças, o governador bolsonarista Wilson Lima (União) teria mentido à imprensa sobre o assunto, e, junto com a empresa, cooptou lideranças, violando o protocolo de consulta prévia às comunidades afetadas.

"Tudo o que foi publicado na mídia [sobre os Mura terem consentido com a exploração de potássio] é mentira. Não existe consenso sobre isso. Principalmente na aldeia Soares, que é a que mais vai sofrer impacto e infelizmente tem sido excluída do diálogo", afirmou Erton Mura, integrante da Organização das Lideranças Indígenas do Povo Mura do Careiro da Várzea (OLIMCV).

Os indígenas estão sob forte pressão do lobby da Potássio do Brasil, uma gigante do setor que tem o governo do Amazonas como aliado. A licença concedida à empresa pelo Executivo amazonense foi suspensa em setembro pela Justiça Federal, pela falta de consulta aos indígenas.

Segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o processo não possui o chamado Estudo de Componente Indígena (ECI), que contabiliza impactos sobre as populações originárias e é uma das etapas obrigatórias do licenciamento ambiental.  

"Está havendo cooptação, como aconteceu com [a hidrelétrica de] Belo Monte e [a extração de ouro da mineradora] Belo Sun", declarou o procurador do Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas Fernando Merloto Soave, responsável pelo caso dos Mura e da Potássio do Brasil. 

Pressão vem do agro

A pressão para atropelar os direitos dos indígenas se intensificou no ano passado, durante a Guerra da Ucrânia, quando a importação de fertilizantes agrícolas foi temporariamente suspensa. O potássio é uma das bases para a produção do insumo, do qual o agronegócio é dependente.  

A região tem uma das maiores jazidas de potássio do mundo. Segundo a Potássio do Brasil, são mais de 170 milhões de toneladas de cloreto de potássio que poderia suprir 50% do consumo brasileiro até 2030. 

"É importante que o governo pare de aliciar e a ameaçar as lideranças indígenas. Muitas estão correndo risco de vida. Onde está o governo que deveria defender o cidadão?", disse Mariazinha Baré, coordenadora da Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam).

Procurados, o governo do Amazonas não respondeu, e a Potássio do Brasil disse que não há veracidade nas acusações feitas pelas organizações do povo Mura. 

Estão usando a mesma estratégia que em 1500

Em entrevista coletiva nesta terça-feira (10) com a presença do Ministério Público Federal (MPF), indígenas contestaram as declarações de Wilson Lima, que no final de novembro convocou jornalistas para acompanhar uma reunião com lideranças Mura. No encontro, o governador declarou ter recebido apoio do povo para o empreendimento. 

Organizações indígenas afirmam, porém, que só foram convidados para a reunião lideranças favoráveis à mineradora e com representatividade minoritária entre os Mura, cuja população afetada pelo empreendimento passa de mil pessoas.

"Cem pessoas não podem tomar a decisão por mil. Se não teve consenso, então não teve decisão. No nosso protocolo de consulta está escrito que quem toma a decisão são as lideranças de todas as aldeias, não um punhado de lideranças pró mineração", disse William Mura, da OLIMCV. 

As declarações de Wilson Lima, consideradas mentirosas pelos indígenas, foram reafirmadas por uma nota oficial do governo do Amazonas e reproduzidas pela imprensa amazonense sem a devida checagem. 

Willian Mura comparou a situação à enfrentada pelos indígenas na época de Pedro Álvares Cabral. "Estão usando a mesma estratégia do que em 1500: dividir para conquistar", disse a liderança. 

Presidente da Potássio do Brasil tentou convencer indígenas 

Conforme as lideranças Mura, o presidente da Potássio do Brasil, Adriano Espeschit, envolveu-se pessoalmente na manobra para pressionar os indígenas. 

Na transcrição de um áudio divulgada pelo site Amazônia Real no fim de setembro, uma pessoa apontada pelos indígenas como sendo Espeschit faz promessas que soam como campanha política: escolas, postos de saúde e poços artesianos. Tudo, é claro, em troca do aval indígena à extração de potássio. 

"É ilusão nossa achar que esses empreendimentos vão trazer de fato desenvolvimento para os nossos territórios. O que vai restar é só prostituição, contaminação dos nossos rios, da terra, dos nossos animais e dos nossos peixes. É o resultado que gente está vivendo hoje, que é a grande seca na Amazônia. 

Segundo o MPF, a Potássio do Brasil viola frontalmente o protocolo de consulta prévia a trechos do documento que proíbem pressão ou coerção de indígenas em troca de vantagens financeiras e determina que apenas integrantes do povo Mura podem participar de reuniões deliberativas sobre projetos de alto impacto. "Todas essas coisas aconteceram nas últimas reuniões", destacou o procurador.

"Houve também outras pressões, como a compra de territórios de lideranças e até anciões. Pressão mesmo, pessoas indo lá cinco ou seis vezes e dizendo que vai perder tudo. O ancião contou que foi pressionado a vender a terra de qualquer jeito. E aí ficou sem roça e agora tem que comprar farinha na cidade", disse Fernando Merloto Soave, procurador do MPF-AM.

MPI diz que projeto é inconstitucional 

Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas disse que tem posição enfaticamente contrária ao projeto de mineração e lembrou que o MPF questiona o licenciamento ambiental estadual concedido, que além de não ser o procedimento legalmente correto, foi levado adiante sem a apresentação do Estudo de Componente Indígena (ECI) e sem a realização da consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas que serão direta e indiretamente afetados, nos moldes da Convenção 169, da OIT.

"Na região da Amazônia Legal, empreendimentos de porto e mineração em até 10 km de distância de terras indígenas, linhas de transmissão até 8km e rodovias até 40 km de distância devem se submeter ao licenciamento nos moldes da portaria, o que não está sendo respeitado no presente caso", afirmou o Ministério. 

O MPI destacou ainda a inconstitucionalidade do projeto, que por ter área de influência sobre territórios indígenas demarcados ou em processo de demarcação, só poderia ser levado adiante após autorização do Congresso Nacional e ouvidas as comunidades afetadas.

"Há sobreposição do projeto e sua área de influência com sete terras indígenas regularizadas ou de domínio indígena, concentrando mais de 1.164 famílias. As aldeias Paracuhuba e Jauary, por exemplo, estão em um raio de 10km do empreendimento, o que já seria fator impeditivo para a autorização de pesquisa mineral na área", destacou o MPI. 

Outro lado

Em resposta, a Potássio do Brasil disse que respeita o direito de consulta dos Mura. Leia a nota na íntegra:

"A Potássio do Brasil afirma que não há veracidade nas informações apresentadas, segundo a reportagem, de autoria das ‘comunidades indígenas’. A empresa sempre respeitou o processo e protocolo de consulta ao Povo Mura e seguirá firme no cumprimento do acordo firmado na Justiça Federal entre Potássio do Brasil e Povo Mura, envolvendo MPF-AM, Fundação Nacional do Índio (Funai), Agência Nacional de Mineração (ANM) e Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), em março de 2017, para que fosse realizada a Consulta ao Povo Mura sobre o empreendimento de forma Livre, Informada, Prévia e de Boa Fé, obedecendo os termos da Convenção OIT-169, da qual o Brasil é signatário."

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