Se eleito, Lula pode revogar decretos de sigilo de Bolsonaro? Entenda o que diz a lei
“Vamos dar um jeito nisso, se preparem”, disse o ex-presidente sobre sigilos impostos no atual governo
O pré-candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sinalizou que poderá revogar os decretos de sigilo impostos pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), caso seja eleito.
“Ele [Bolsonaro] vive de favor, fazendo seus decretos-lei, fazendo indulto fora de hora, transformando qualquer coisinha que os filhos façam em sigilo de 100 anos”, disse o petista em entrevista a blogueiros e jornalistas da mídia independente nesta terça-feira (26). “Vamos dar um jeito nisso, se preparem, vamos dar um jeito”, disse sobre os sigilos.
“No nosso governo, tinha a lei da transparência, que permitia que as pessoas soubessem das coisas. Agora não se sabe sobre mais nada. Falou mal do filho? Sigilo por 100 anos. Falou mal do Pazuello? Sigilo por 100 anos. Como vai esconder mentira por 100 anos? Nós vamos ter que desvendar essas mentiras, obviamente”, disse o ex-presidente.
Caso eleito, Lula pode mesmo revogar os decretos?
Segundo Bruno Morassutti, coordenador de advocacy da Fiquem Sabendo e especialista em Direito Processual Civil e Direito Público, o chefe do Poder Executivo tem o poder de revogar sigilos impostos por governos anteriores e editar novos.
Conforme a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12,527/2011), até mesmo a classificação de sigilos ultrassecretos – referente ao período de 25 anos –, no âmbito da administração pública federal, é de competência de presidente e vice-presidente da República; ministros e autoridades com prerrogativas iguais; os comandantes das três Forças Armadas; e chefes de missões diplomáticas e comandantes permanentes no exterior.
As classificações, entretanto, devem ser enviadas para a Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), órgão colegiado interministerial cuja responsabilidade é avaliar a validade das classificações ou revogações apresentadas.
O advogado lembra, entretanto, que os trabalhos da comissão podem ser influenciados indiretamente pelas escolhas do presidente. “Como a CRMI é vinculada à Presidência, a composição pode ser modicada pelo presidente. Quando o presidente escolhe este ou aquele para compor a comissão, está indiretamente determinando qual vai ser a política do órgão. Neste caso, o órgão, numa nova composição ou mesmo com uma reorientação informal da Presidência, pode, dentro do processo normal de análise de recursos ou mesmo na revisão periódica, rever essas decisões”, explica.
Outra possibilidade de mudanças nas classificações ou inclusão de novas é por meio de ato normativo direto do presidente da República, como decretos e portarias, o que, segundo Morassutti, não é tão comum.
“Ele é a pessoa responsável por definir a política federal de acesso à informação, dentro do que a lei diz. Poderia, de forma isolada ou dentro de alguns critérios, estabelecer a revisão de decisões anteriores de sigilo de informações.” Nesses casos, entende-se que a “decisão do presidente não precisaria passar pela comissão, diferente de outras autoridades, porque a decisão em última instancia compete a ele”.
Sigilos do governo Bolsonaro
A última classificação de sigilo governo Bolsonaro ocorreu ainda neste mês. O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) impôs um sigilo de 100 anos – o período máximo se sigilo permitido pela legislação – sobre os encontros entre Bolsonaro e os pastores lobistas Gilmar Santos e Arilton Moura, que teriam participado de um esquema de desvio de recursos públicos dentro do Ministério da Educação. Bolsonaro e os religiosos teriam se reunido pelo menos três vezes no Palácio do Planalto e uma vez no Ministério da Educação.
Esta, no entanto, não foi a primeira vez. Em junho do ano passado, o Exército negou o acesso ao processo administrativo movido contra o general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que participou de uma manifestação a favor do presidente. A presença em atos políticos é vedada a militares da ativa.
Um mês depois, dados dos crachás de Carlos Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro que mostram as entradas e saídas dos filhos do presidente ao Palácio do Planalto também foram colocados sob o sigilo de um século. A classificação ocorreu depois que as informações foram solicitadas pela revista Crusoé.
Além desses casos, a cartão de vacinação do presidente e a matrícula de Laura Bolsonaro, filha mais nova do capitão reformado, no Colégio Militar de Brasília, estão sob sigilo de 100 anos.
Quais informações podem ser sigilosas?
De acordo com o artigo 23º da Lei de Acesso à Informação, o sigilo deve ser considerado “imprescindível à segurança da sociedade ou do Estado”. As informações que podem entrar em tal classificação são aquelas que podem:
1) Por em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional;
2) Prejudicar ou por em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais;
3) Por em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;
4) Oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País;
5) Prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas;
6) Prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional;
7) Por em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares;
8) Comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações.
A lei também estabelece que “as informações que puderem colocar em risco a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República e respectivos cônjuges e filhos(as) serão classificadas como reservadas e ficarão sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição”. O texto não fala, no entanto, em sigilo de 100 anos para esses casos.
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